ARQUIVO CM - A LENDA DO PORSCHE 917


O mundo do automobilismo é definitivamente místico. Lendas e histórias de grandes pilotos e máquinas invadem a nossa imaginação e nos leva ao delírio com histórias no mínimo fantásticas.


Hoje não diferente desta visão vamos falar um pouco daquele que é considerado por muitos experts mundo afora como um dos maiores carros de corrida da história.

A fim de diminuir a velocidade alcançada pelos carros e trazer maior competitividade ao campeonato mundial de resistência, em 1967 a FIA fez modificações no regulamento do Campeonato Mundial de Endurance – WEC hoje – em três categorias: a de carros esporte protótipos que ficariam limitados a 3L, a dos carros esportivos que teriam capacidade limitada a 5L e também dos carros de Gran Turismo que teriam capacidade de 7L. Apesar de grandes protestos das equipes e montadoras, uma vez que o campeonato nessa época era tão importante quanto a Fórmula 1, a federação seguiu em frente com a adequação das normas mesmo que uma das categorias, a de Gran Turismo não recebesse inscritos para participação do campeonato.

O belíssimo modelo 908 utilizado em 1968, precursor dos 917

Apesar de controversa, a mudança no regulamento foi a chave para que algumas montadoras mostrassem interesse na participação do campeonato ou ainda, para aquelas que já participavam uma possibilidade de trabalhar em novos e ousados. Nessa temporada a Porsche que correu com seu modelo 908 equipado com um motor de 3.0 com 8 cilindros e que conquistou algumas vitórias naquele ano, não conseguia fazer frente a uma poderosa Ferrari P4 com seu motor 4.9L. A Porsche sabia que precisaria evoluir a um novo projeto para fazer frente aos seus concorrentes em busca do título e viu nessa mudança de regulamento uma chance de desenvolver um novo projeto campeão. Entretanto a FIA deliberou em 1967 que dentre as novas regras para a categoria 5000 cc, uma das determinações era que seria necessário construir 50 modelos para que um carro se tornasse elegível para participar do mundial na categoria carros esporte. Essa regra impossibilitaria qualquer tentativa da Porsche de solicitar junto a Volkswagen autorização para um novo projeto dada a necessidade de alto investimento sem nenhuma garantia de retorno. Porém em 1968 a própria FIA reviu essa regra e diminuiu para 25 a quantidade de modelos necessários para habilitar um novo carro para o campeonato na categoria esporte e isso foi a brecha que Ferdinand Piech, alto engenheiro da montadora usou para convencer a diretoria a tornar o projeto possível. Com isso ele  ficou responsável por um novo projeto apelidado internamente de 917.

Porsche apresentou o 917 ao mundo em 1969

Em março de 1969 foi apresentado ao mundo, no Geneva Motor Show, o primeiro Porsche 917. Estavam ali 8 meses de muito trabalho e talento demonstrando todos os pensamentos de alta engenharia automotiva da empresa para as pistas de corrida. Porém a FIA ainda precisava realizar as vistorias para verificar o cumprimento das normas para que um carro pudesse participar de um determinado campeonato, então a montadora foi avisada que seria feita uma visita a fábrica por representantes dentro de 4 semanas a partir do lançamento do carro. Iniciou-se então uma situação um tanto quanto curiosa. A Porsche tinha no momento do aviso, 6 modelos prontos, mas ainda faltavam 19 para cumprir a regra que permitiria a participação do carro no campeonato. Como os mecânicos e outros especialistas da Porsche estavam envolvidos no projeto do Porsche 908 do campeonato mundial, a Porsche se viu sem pessoal adequado para cumprir o prazo e fez o impensável: chamou todo o seu pessoal administrativo que segundo as palavras de Rico Steinemann, alto executivo esportivo da marca, os quais sabiam pelo menos apertar um parafuso, a montar uma força-tarefa para montar os carros restantes. Quando chegaram a fábrica em Stuttgart, os fiscais da FIA ficaram surpresos quando encontraram 25 modelos do 917 funcionando no estacionamento inclusive recebendo convites dos engenheiros para pilotar qualquer um dos carros ali presentes. Depois da inspeção os carros foram desmontados e remontados por mecânicos profissionais.

Pessoal administrativo na montagem dos 917!

O novo carro iniciou os testes já naquele mês de abril. Possuía um motor flat-12 de 4500cc e 520cv que no final de 1971 foi evoluído a mais de 600cv. A filosofia desde as pranchetas, porém mostrou de difícil domínio: o carro era simplesmente incontrolável em certas situações e meses e mais meses de desenvolvimento foram necessários para que o carro se mostrasse “conduzível”, dada sua fortíssima aceleração e velocidade.

Muitos testes eram necessários ainda, mas o modelo estava fadado ao sucesso!

Dada a dificuldade dos engenheiros em encontrar uma forma de domar essa fera, os pilotos de elite da Porsche simplesmente não queriam correr com o modelo, preferindo sempre correr com os confiáveis 908 que ainda se mostravam competitivos. Os 917 praticamente foram desenvolvidos por pilotos secundários da Porsche durante o ano até que em agosto, quando visitaram o circuito de Zeltweg para os 1000km da Aústria, Jo Siffert se animou com muitas adequações que foram feitas no modelo e conseguiu ótima performance nos treinos e ainda, conquistou a primeira vitória do modelo. Apesar da vitória, o modelo que garantiu a Porsche o título mundial daquele ano foi o modelo 908, porém a Porsche enfim começou a se entender com o modelo 917. O ano de 1970 prometia!

Primeira vitória do 917 veio na Áustria em 1969.

A Porsche decidiu focar somente na produção do modelo a partir de 1970 e se uniu a duas equipes privadas que se tornaram oficiais da marca no campeonato deixando a preocupação com pilotos e outras questões esportivas com elas. O foco total era no desenvolvimento do carro. Acreditava-se que o 917 não estaria preparado o suficiente para liderar a marca no mundial de resistência, porém o que se viu desde o inicio do ano foi um carro dominador. Das 10 corridas no ano, 7 foram vencidas pelo 917 sendo que outras 2 foram conquistadas por um Porsche porém, o modelo 908. A Ferrari investiu pesado no 512S, mas só conseguiu vencer em Sebring naquele ano. O ponto alto do ano foi a primeira vitória da Porsche na geral das 24 Horas de Le Mans com o 917K #23 da equipe Porsche Salzburg com Hans Herrmann e Richard Attwood. 

O carro #23 da Salzburg foi o primeiro carro da marca a vencer as 24 Horas de Le-Mans

O #25 da Salzburg com Vic Elford na edição de 1970.

O modelo eternizado nas telas do cinema por Steve

O ano de 1971 se mostrou mais dominador do que antes, onde o 917 levou 8 das 10 corridas do ano. Agora equipado com um poderoso 5L e desenvolvendo uma potência na casa dos 600cv, o carro foi responsável por um recorde que só foi quebrado em 2010. Nas mãos de Gijs Van Lennep e Helmut Marko (olha ele aqui!), o Porsche 917 #22 da Martini International Racing, atingiu inacreditáveis 397 voltas e percorreu a distância de 5.335,3 km a uma média de 222km/h. Em 2010 a Audi alcançou a mesma marca de 397 voltas porém ultrapassou a marca atingindo a distância de 5.410,7 km e atingindo média de 225km/h. Entretando foram necessários quase 40 anos para superar o recorde do 917.

Os recordes alcançados pelo #22 em 1971 só foram superados pela Audi 40 anos depois!

Apesar da vitória o carro largou somente da 5ª posição, sendo que a pole ficou com os pilotos Jackie Oliver/Pedro Rodriguez que estavam a bordo de um 917/20. Esse carro era uma mistura dos modelos 917/K e 917/LH e era feito para aproveitar ao máximo as grandes retas de Sarthe. Em um teste noturno em abril de 1971, aproveitando da aerodinâmica refinada do modelo, Jackie Oliver atingiu a impressionante marca de 396km/h de velocidade final em um trecho de reta o que mostrava a força do modelo para a prova. Ele somente não venceu a prova por problemas mecânicos que levaram o modelo a completar a corrida em 6º. Porém outros pilotos de outras versões do 917, facilmente ultrapassavam a marca de 380km/h durante a corrida o que tornou o carro imbatível.

O famoso Porsche 917/20 em ação! Modelo atingiu a velocidade de 396km/h nos testes em 1971

A FIA não contente com o que se transformou o campeonato e suas altíssimas velocidades intervém novamente nas regras. Determinou que carros com mais de 650kg não seriam permitidos e ainda, motores acima de 3000cc estariam banidos. Isso fez com que a empresa desistisse do campeonato de 1972, pois seria inviável adaptar o 917 as novas regras e o modelo 908 teria que modificado em muitos pontos e ainda, teriam que desenvolver um novo motor, muito mais poderoso para compensar a diminuição de capacidade cúbica. Dessa forma a empresa não estava interessada em desenvolver um novo projeto para o mundial de endurance e voltou o seu foco a duas possíveis categorias: Formula 1 e o campeonato Canadense-Americano de endurance, o Can-Am. 

Para 1972, o adaptado 917/10 para a  Can-Am.

Dada a liberdade técnica oferecida pelo regulamento e a boa base para iniciar os trabalhos, a Porsche mudou-se para o campeonato norte-americano a partir de 1972.

Em junho Roger Penske com um 917/10 equipado com um turbocompressor (o que originou o apelido de turbopanzer) dominou o campeonato com 6 vitórias em 9 corridas. Para 1973 aquilo que é considerado o último dos monstros dos carros esporte, o 917/30, um carro que em configuração de classificação tinha nada menos que 1500cv de potência e em configuração de corrida 1200cv.

O ultimo dos monstros! O modelo 917/30 é um dos carros de corrida mais fortes da história!

O motor, de doze cilindros boxer biturbo, do Porsche 917/30 viu a cilindrada ser aumentada para os 5.4L, desenvolvendo uns respeitáveis 1100 cv, em corrida e 1300 cv nas especificações para qualificação. O chassis foi aligeirado e a carroçaria foi alongada. Os números não enganam, chegavam aos 100 km/h em pouco mais de dois segundos, os 160 km/h em 3.9 segundos, os 320 km/h em cerca de dez segundos e atingia os 414 km/h de velocidade máxima, isto porque o peso rondava os 750 kg. De salientar que, a tecnologia dos turbo-compressores não estava tão evoluída como hoje e este automóvel sofria bastante com o chamado turbo-lag, fazendo com que os pilotos tivessem uma preparação incrível.

Muitos dizem que este carro causou uma modificação inimaginável até então no Can-Am que acabou por acabar com o campeonato anos depois.

 

Renato Moraes

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Renato Moraes

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